18.09.2023

  • Fernando Távora, "O Granito da Minha Infância"

    “É conhecido o pensamento do filósofo chinês Lao Tsé quando afirma que “uma casa não é constituída pelas suas quatro paredes mas pelo espaço que elas limitam”.

    […] nascido no Porto, cidade granítica por excelência, sempre tenho vivido nessa cidade, em velha casa também construída em semelhante material

    Daí a minha afirmação […] de que o granito me acompanha “desde a minha infância”, numa íntima relação que julgo para mim de capital significado. […] o termo granítico mais do que referir-se ao manuseamento e utilização de um tipo de pedra, ultrapassa tal referência construtiva para significar um modo de ser, uma condição humana, um padrão, quási uma segunda natureza, um conceito de vida e do modo de vivê-la.

    É conhecida a importância da relação do homem com o seu meio físico e, no caso português é clara a natureza do homem do granito cujo sentido caminha paralelamente entre a dureza e a plasticidade, a autoridade e a nobreza, a clareza e a decisão, a força e a permanência, características que podem manifestar-se em conceitos arquitectónicos de natureza decorativa ou construtiva, mas devem ser ultrapassados por conceitos de ordem moral, cultural, social e económica.

    O “granito da minha infância” não é, com efeito, apenas um material que desde sempre envolve a minha existência física e utilizo na minha prática profissional, mas, muito mais do que isso, um espírito que determina a minha pessoa e toda a minha obra.”

    Porto, Novembro de 1999*

    Completam-se cem anos sobre o nascimento de Fernando Távora a 25 de Agosto de 1923. No ano anterior ao do texto citado (texto datilografado encontrado pelo seu filho, o também arquiteto José Bernardo Távora), numa entrevista publicada na revista Documents de Projectes d’Arquitectura, num número especial dedicado à sua obra, Távora afirmou: “Tenho uma pintura, um Pantocrator catalão do século XIV que comprei num leilão, que tem um alfa e um ómega inscritos. Todos nós somos, em certa medida, o alfa e o ómega. Somos o fim, mas também o princípio de algo”. Ao longo deste ano muitas serão as iniciativas pensadas para celebrar a vida e obra deste Arquiteto, para refletir sobre a importância e significado do seu legado.

*Este texto foi integralmente lido em Escritos Escolhidos #2

+ info sobre o programa do centenário: Távora 100

Imagem: Fernando Távora na Casa da Rua da Senhora da Luz, com D. Maria Luísa Távora, [década de 60]. © Fundação Marques da Silva/Arquivo Fernando Távora.